“Talvez pudéssemos dizer que a idéia de progresso está em antagonismo com a idéia religiosa e que, se uma foi por muito tempo sufocada, é porque a outra foi por muito tempo dominante.
Acreditar no progresso é acreditar na inferioridade do passado em relação ao futuro… A maior parte das religiões, ao contrário, coloca na origem das coisas uma onipotência que molda o mundo e o homem à sua imagem: fica difícil compreender então um mundo que, desde a sua origem e saindo das mãos do criador, fosse imperfeito e mau; parece que, para procurar o bem, é necessário voltar-se, antes, para o princípio das coisas, para a época em que o mundo era, de certa forma, mais divino, sendo mais jovem. Remontar aos primeiros tempos é aproximar-se de Deus. Toda religião é assim obrigada a explicar o mal que se encontra no mundo por uma decadência, em vez de explicar o bem que nele se encontra por um progresso… Toda religião tende, assim, a se tornar adoração do passado. (….) É a doutrina da queda, oposta à do progresso.
Ao contrário, uma vez afastada a religião, não se pode conceber teoria do mundo que não tenha por princípio ou por consequência a crença numa evolução, num progresso lento no tempo… A partir do momento em que o homem não recebe das mãos de um Deus criador sua civilização já pronta, ele mesmo tem de fazê-la com o tempo… Assim, toda teoria não religiosa do mundo supõe como corolário e como confirmação uma história dos progressos do homem… A idéia de progresso vem se opor à de criação.”
JEAN-MARIE GUYAU (1854 — 1888),
filósofo e poeta francês.in: La Morale d’Épicure. Paris, 1878, pp. 154-157.
Comentário deste trecho, por André Comte-Sponville: “…por conseguinte, opor-se à religião será defender a idéia do progresso contra a da decadência. É o que fazem Demócrito, Epicuro e Lucrécio. (…) Opondo-se à teoria religiosa da queda, o pensamento epicuriano inaugura assim um pensamento materialista da história em que, sem ajuda de nenhum deus, sem modelo transcendente, a humanidade inventa ela mesma os meios de sua ascensão.”
(in: O Mito de Ícaro, Volume I, Tratado do Desespero e da Beatitude – Pg. 182 – Trad. Eduardo Brandão – Ed. Martins Fontes).
Publicado em: 13/01/12
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
Duardão, uma proposta para texto: e o Progresso (“P” maiúsculo!hehe) enquanto uma forma de religiosidade?
Abraço!
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Rodrigo
Comentou em 17/01/12